Mãe: Levas contigo os sonhos que tive quando te inventei? Sempre quis que fosses a minha palavra para além do que te dizia, o eco da minha voz ao longe, o meu não constante aos donos do mundo. Desejei-te sereno e revoltado, criativo mas lúcido, corajoso e terno. Queria-te independente e próximo, criança e homem. Alguém capaz de levar por diante as minhas ideias. Por vezes imaginei-te um rasto de mim, um pedaço do meu corpo a viver ao longe.Noutras ocasiões desenhei-te distante, mal te distinguia ao longe, fica então só e à espera. O tempo havia de te fazer regressar para junto de mim.
Diogo: Não posso continuar com estas dúvidas que me destroem a pouco e pouco. Não vale a pena fugir do problema. Chegou o momento de seguir aqueles desejos que há tanto tempo indicam um caminho. Sinto um rasto confuso, mas persistente, uma estrada que preciso percorrer sem demora. Anseio e temo um futuro inevitável. Estou só.Revejo o meu passado, procuro uma linha de rumo que oriente os meus dias, encontro mais dúvidas e medos que me apavoram. Quem visito dentro de mim?
Mãe: Procurei não dar importância, respondi com uma frase banal, género as crianças são todas diferentes, perguntei depois se me criticava de alguma forma, por vezes dizia que te mimava demais...A conversa morreu ali, depressa o pai voltou ao jornal e à televisão, só eu fiquei a pensar. Se o que tinha ouvido era um reparo à minha proximidade, poderia ter a certeza que não iria mudar. A única pessoa que poderia alterar alguma coisa não era eu, mas ele, sempre encantado com as gracinhas do Ricardo e a afastar-se cada vez mais de ti...
Diogo: Envolvo-me e tenho prazer, fujo da confirmação que acaba de chegar, distancio-me e julgo que foi mais um acidente. Um caso de quem está só e carente de amor. Uma semana depois procuro de novo. Um vazio cá dentro faz-me procurar nos lugares do costume e entrego-me uma vez mais. Quero atingir certezas no meu mundo de dúvidas.
Mãe: Saberei sempre dosear as minhas confidências, nunca desvendarei o secreto íntimo do nosso amor.
Diogo: Ficavas furiosa quando alguém dizia que não tinha jeito, para ti aprendia-se a pintar como se aprendia a ler e a escrever. Toda a gente pode ser ensinada a escrever, só alguns serão escritores, todos podem aprender a pintar, só alguns serão artistas, dizias - o sem hesitação. Sentias o meu dom.
Mãe: Foi preciso vencer muitos medos. Por estranho que pareça, era mais simples não saber com quem andavas do que te ver amar muito uma pessoa concreta, quase que me envergonha dizer isto, mas continuo a pensar que ninguém te pode dar mais carinho que eu. Egoísmos de mãe (...) como não amavas ninguém eu continuaria em primeiro lugar. Receio que partisses duma vez daquela casa e eu ficasse só no mundo e a sentir o teu pai cada vez mais distante.
Diogo: Não te preocupes. Não preciso de lhe falar muito da nossa vida. Apenas lhe vou dizer como é bom que existas, nada mais. Neste lugar dentro de mim encontro-o tenho a certeza.Incondicionalmente teu. Amo-te.
Peça Vagabundos de Nós, Daniel Sampaio
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